Foge-me pouco a pouco a curta vida,
Se por acaso é verdade que inda vivo;
Vai-se-me o breve tempo de ante os olhos;
Choro pelo passado e enquanto falo,
Se me passam os dias passo a passo,
Vai-se-me, enfim, a idade e fica a pena.
Que maneira tão áspera de pena!
Pois nunca uma hora viu tão longa vida
Em que possa do mal mover-se um passo.
Que mais me monta ser morto que vivo?
Para que choro, enfim? Para que falo,
Se lograr-me não pude de meus olhos?
Ó formosos, gentis e claros olhos,
Cuja ausência me move a tanta pena
Quanta se não comprende enquanto falo!
Se, no fim de tão longa e curta vida,
De vós me inda inflamasse o raio vivo,
Por bem teria tudo quanto passo.
Mas bem sei, que primeiro o extremo passo
Me há-de vir a cerrar os tristes olhos
Que Amor me mostre aqueles por que vivo.
Testemunhas serão a tinta e pena,
Que escreverão de tão molesta vida
0 menos que passei, e o mais que falo.
Oh, que não sei que escrevo, nem que falo!
Que se de um pensamento noutro passo,
Vejo tão triste género de vida
Que, se lhe não valerem tanto olhos,
Não posso imaginar qual seja a pena
Que traslade esta pena com que vivo.
Na alma tenho contino um fogo vivo
Que, se não respirasse no que falo,
Estaria já feita cinza a pena;
Mas, sobre a maior dor que sofro e passo,
Me temperam as lágrimas dos olhos
Com que fugindo, não se acaba a vida.
Morrendo estou na vida, e em morte vivo;
Vejo sem olhos, e sem língua falo;
E juntamente passo glória e pena.
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Sextina
in Écloga, Elegias, Sextina
n.d.
[Versos e alguma prosa de Luís de
Camões - selecção de Eugénio de
Andrade | 1996 |
ed. Campo das Letras]
Luís Vaz de Camões (1524-80)
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