Pede o desejo, Dama, que vos veja,
Não entendo o que pede; está enganado.
É este amor tão fino e tão delgado,
Que quem o tem não sabe o que deseja.

Nao há cousa a qual natural seja
Que não queira perpétuo seu estado;
Não quer logo o desejo o desejado,
Porque não falte nunca onde sobeja.

Mas este puro afecto em mim se dana;
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,

Assim o pensamento (pela parte
Que vai tomar de mim, terreste [e] humana)
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.

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in Sonetos
n.d.
[Versos e alguma prosa de Luís de
Camões - selecção de Eugénio de
Andrade | 1996 |
ed. Campo das Letras]
Luís Vaz de Camões (1524-80)

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