restam poucas tardes ainda quentes  
algumas esplanadas cães e as uvas de  
setembro  
mas do atlântico já sopram os ventos e as areias  
trazem a memória dos temporais.  
  
o verão está no fim.  
  
e pela décima segunda vez despeço-me.  
  
o boeing toca o sossego dos deuses.  
longe vai ficando a ilha — mas eu sei que  
vou permanecer em vós ó amigos  
ébrios amigos.  
sei que seremos eternos pela noite da ilha e agradeço  
agradeço-vos tudo.  
  
o verão está no fim.  
  
que fizeram de nós, os filhos do mar,  
abandonados hoje ao lixo das cidades excessivas, no  
trágico continente?  
  
que fizeram da nossa casa?  
  
hoje quando nunca fomos tão belos e tão sós.  
  
o verão está no fim.  
  
estou a lembrar-me daquela tarde daquele tipo  
o que cantava num rouco pick-up entre tantos vinhos  
velhos temas do tio sam —  
para lucy e eu  
tristes órfãos de um país em hibernação.  
  
o verão está no fim.  
  
é o tempo de matar mas em silêncio  
é o tempo perfeito  
o de matar os templos os estádios as polícias secretas  
o frio e os jornais — os dias,  
os malditos dias do país!  
  
o verão está no fim.  
  
enquanto a ilha dorme a ilha dorme.  
  
hoje quando nunca fomos tão belos e tão sós.  
  
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O verão está no fim
in Deste lado onde
1976
[Epílogo (poesia reunida) | 2019 |
ed: Assírio & Alvim]
José Agostinho Baptista

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