para a Dédes
«O poema ensina a cair»
Luiza Neto Jorge
I
Este poema vai cair contigo,
leitor — modo ínvio de dizer
que há um corpo confiscado onde
a vida, às vezes, parece possível.
A Inês fez bem: apanhou um táxi.
Mas também estava certo
o mal que nós fizemos, Rui.
Foste tu que bateste à porta
do Taki-Talá, desafiando reposteiros,
surdas repreensões, rancores.
Pouco antes, falávamos da morte
e da morte ainda. E a vida,
afinal, era o gesto súbito, um pouco
inclinado, de voltar a descer as escadas
de madeira e pedir «mais duas».
As cortinas — vermelho sujo —
protegiam-nos do mundo.
II
Saímos os três — eu, o Rui,
o Jorge (gosto, furiosamente,
da exactidão). Saímos para mijar
na lua triste de Novembro,
encurralada na Caetano Palha.
Com a Cachupa ali tão perto.
Soletrávamos, de morna
em morna, um plácido abismo,
a fria penumbra que nos tolhia
as mãos. Eram já outras
as escadas que subíamos, a cozinha
deserta onde nos sentámos,
a gata que insistiu em desejar-te
outra e talvez melhor noite.
Nem me doeu (teríamos
esgotado, por uma vez, a dor?)
que alguém lesse um livro meu
para logo regressar às cores
mais toleráveis do Correio da Manhã.
Tudo pode acontecer. Até
a vida, até o amor. Os poemas,
esses, pouco ou nada valem.
III
O Cretcheu Futebol Clube
nunca existiu:
não houve uma equipa, sequer
na mais improvável divisão.
Apenas, a acreditar no Jorge,
um prédio em ruínas
que foi oficialmente sede.
Apanhámos outro táxi,
talvez demasiado bêbedos.
Há ilhas, negros promontórios,
que nem o amor — se existisse —
saberia redimir, coisas que
da morte não ficaram. Mas que tinham
de cair, contigo, neste poema.
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Cretcheu Futebol Clube
in [Cretcheu Futebol Clube |
2006 | ed: Assírio & Alvim]
Manuel de Freitas
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