Catarina bem promete;
Eramá, como ela mente!

Catarina é mais formosa
Para mim que a luz do dia;
Mas mais formosa seria
Se não fosse mentirosa.
Hoje a vejo piedosa,
Amanhã tão diferente
Que sempre cuido que mente.

Catarina me mentiu
Muitas vezes, sem ter lei,
Mas todas lhe perdoei
Por uma só que cumpriu.
Se, como me consentiu
Falar, o mais me consente,
Nunca mais direi que mente.

Má, mentirosa, malvada,
Dizei: para que mentis?
Prometeis, e não cumpris?
Pois sem cumprir, tudo é nada.
Não sois bem aconselhada;
Que quem promete, se mente,
O que perde não no sente.

Jurou-me aquela cadela
De vir, pela alma que tinha;
Enganou-me; tem a minha;
Dá-lhe pouco de perdê-la.
A vida gasto após ela,
Porque ma dá se promete,
Mas tira-ma quando mente.

Tudo vos consentiria
Quanto quisésseis fazer,
Se esse vosso prometer
Fosse prometer um dia;
Todo então me desfaria
Convosco; e vós, de contente,
Zombaríeis de quem mente.

Prometeu-me ontem de vir,
Nunca mais apareceu;
Creio que não prometeu
Senão só por me mentir.
Faz-me enfim chorar e rir;
Rio quando me promete,
Mas choro quando me mente.

Mas pois folgais de mentir,
Prometendo de me ver,
Eu vos deixo o prometer,
Deixai-me vós o cumprir:
Haveis então de sentir
Quanto fica mais contente
O que cumpre que o que mente.

_______________________________________
in Redondilhas
n.d.
[Versos e alguma prosa de Luís de
Camões - selecção de Eugénio de
Andrade | 1996 |
ed. Campo das Letras]
Luís Vaz de Camões (1524-80)

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