1.
Eis que na Eternidade um vulto se levanta
Horrendo! Infecundo, insondado,
Repelente, em si contido: qual Demónio
Concebeu este vazio abominável,
Este vácuo, onde a alma se arrepia? Diziam
«É Urizen.» E todavia, insondado e remoto,
A meditar, secreto, o sombrio poder estava encoberto.

2.
Foi ele que rasgou o tempo em tempos e mediu
O espaço por espaços, em sua treva de nove mantos
Insondável, invisível: irromperam mutações,
Inóspitas montanhas fendidas em fúria
Por negros vendavais de convulsão.

3.
Em funestas batalhas ele lutava,
Em ocultos litígios contra vultos
Saídos da solidão do seu deserto:
Aves, bichos e peixes, elementos, serpentes,
Incêndio, explosão, vapor e nuvem.

4.
Revolvia na treva, activo e mudo:
Oculto e em paixões atormentado:
Vigor ignoto e horrendo,
Sombra, que em si mesma se contempla,
Em trabalhos ingentes ocupada.

5.
Os Eternos fitavam-lhe os imensos bosques;
Inacessível, encoberto, ele ficou pelos séculos
No cativeiro do abismo a meditar; todos evitam
Esse caos abominável e petrífico.

6.
Sombrio, Urizen concebia os seus horrores gelados,
Silente; eram dez mil os seus trovões
Alinhados em hostes de treva, a alastrar
Pelo mundo pavoroso; rangem as rodas
De mar encapelado e reverberam por nuvens,
Por colinas de neve revestidas, por montanhas
De granizo e gelo; e há brados de terror
A ressoar como trovões de Outono,
Que sobre as searas incendeiam nuvens.

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Cap. I
in Primeiro livro de Urizen
1983
[Primeiro livro de Urizen | 1993 |
bilingual | ed: Assírio & Alvim|
transl: João Almeida Flor]
William Blake

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