«Fui eu que não tirei a Cesária Évora
da prostituição», voltava a dizer
o Jorge. Era domingo, noite fria.
O amigo brasileiro chegou-se
até à nossa mesa e falou de Isaías,
de Manuel Bandeira, do Apocalipse.
Estava mesmo frio — e não se faziam rogados
o vinho, as cervejas, cigarros já sem dono.
Faltava o quarto homem: cabo-verdiano,
mindelense. «Isto é que é lusofonia»,
comentou. De facto, à voz melosa
de um aclamado pedófilo português
juntavam-se, vindos da aparelhagem,
batuques crioulos e tímidas coladeras.
Perguntou-me, sem aviso, se a minha poesia
falava da morte. Não esperou a resposta
— ou respondeu como eu não saberia, cantando
devagar uma morna de Ildo Lobo. «Há homens
que não deviam morrer», concluiu. E tantos
(pensei eu) que nunca deveriam ter nascido
ou que em tudo encontram o sabor do nada.
Mas era quase manhã, aquela noite, e alguém
quis determinar com precisão
o significado de morabeza.
Talvez só a morte o conheça inteiramente.
Em breve, daki a nada, saberemos.
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Lusofonia
in [Cretcheu Futebol Clube |
2006 | ed: Assírio & Alvim]
Manuel de Freitas
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