As planícies áridas de uma inspiração antiga deram-me a conhecer
o seguinte — que eu era um poeta único, o Anunciado, o Iluminador das tardes
violetas do Bósforo e Antineia... e que ninguém, durante os anos
criadores de uma imaginação múltipla, regressaria às fórmulas arcaicas
que os medíocres ousaram — furiosos de Resto...
E eles? Devoradores de impressão, que zelo sustenta ainda
os seus corpos? Antes os influenciasse Saturno, o criador de Obscuridade
Divina... ou ouvissem os horóscopos pronunciados nas margens
tempestuosas do sul... ou ainda voltassem a um lugar abrigado
a elucidar as profecias e comentários de um povo áugure... mas eles
não ouviram, nunca, as matemáticas polares do sonho!
Cheguei a um continente erótico. Os ventres
bojudos das árvores atraem os animais. Ouço os gritos
de uma terra por habitar. O céu é uma superfície vegetal
que dá música e choro. Na sombra, os insectos congeminam grandes
devastações no interior solar das figueiras descarnadas.
Deuses... vós sois animais destruidores... invoco
a memória de um fruto amargo, a sabedoria corrompida nos labirintos
da inteligência. Quem, dizei-me, a instruiu nos contornos
voluptuosos da expectativa? quem a sacrificou a um poema
lúbrico — como se a dádiva conformasse o olhar material dos dedos? Não
vos celebrarei... procuro a raiz solitária da loucura
nas químicas orgânicas do tempo... civilizações, frutos
apodrecidos nos jardins suspensos de uma cidade submersa... vós
cedereis à voz silenciosa de uns lábios virgens... vós
solicitais as respostas transformadoras de um rumo doentio... eu,
no encanto, recusar-vos-ei a eternidade... poema, foge às solicitações
mórbidas de um espaço moral... ensina corrupção... ódio... as formas
plurais de uma amor diverso...
«Quem canta», perguntaram as sibilas, «quem canta com voz divina
entre ruinas?»
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Exílio
in A noção de poema
1972
[50 Anos de poesia, antologia pessoal,
1972-2022 | 2022 | ed: Dom Quixote]
Nuno Júdice
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