Peço-vos que me digais
As orações que rezastes
Se são pelos que matastes,
Se por vós, que assim matais?
Se são por vós, são perdidas;
Que, qual será a oração
Que seja satisfação,
Senhora, de tantas vidas?
Que se vedes quantos vêm
A só vida vos pedir,
Como vos há Deus de ouvir
Se vós não ouvis ninguém?
Não podeis ser perdoada
Com mãos a matar tão prontas,
Que, se numa trazeis contas,
Na outra trazeis espada.
Se dizeis que encomendando
Os que matastes andais,
Se rezais por quem matais,
Para que matais, rezando?
Que, se na força do orar,
Levantais as mãos aos Céus,
Não as ergueis para Deus,
Erguei-las para matar.
E quando os olhos cerrais
Toda enlevada na fé,
Cerram-se os de quem vos vê
Para nunca verem mais.
Pois se assim forem tratados
Os que vos vêem quando orais,
Essas horas que rezais
São as horas dos finados.
Pois logo, se sois servida
Que tantos mortos não sejam,
Não rezeis onde vos vejam,
Ou vede para dar vida.
Ou, se quereis escusar
Estes males que causastes,
Ressuscitai quem matastes,
Não tereis por quem rezar.
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A uma senhora que estava rezando
por umas contas
in Redondilhas
n.d.
[Versos e alguma prosa de Luís de
Camões - selecção de Eugénio de
Andrade | 1996 |
ed. Campo das Letras]
Luís Vaz de Camões (1524-80)
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