Às vezes, nessas noites frias e enevoadas  
Onde o silêncio nasce dos ruídos monótonos e mansos  
Essa estranha visão de mulher calma  
Surgindo do vazio dos meus olhos parados  
Vem espiar minha imobilidade.  
  
E ela fica horas longas, horas silenciosas  
Somente movendo os olhos serenos no meu rosto  
Atenta, à espera do sono que virá e me levará com ele.  
Nada diz, nada pensa, apenas olha — e o seu olhar é como a luz  
De uma estrela velada pela bruma.  
Nada diz. Olha apenas as minhas pálpebras que descem  
Mas que não vencem o olhar perdido longe.  
Nada pensa. Virá e agasalhará minhas mãos frias  
Se sentir frias suas mãos.  
Quando a porta ranger e a cabecinha de criança  
Aparecer curiosa e a voz clara chamá-la num reclamo  
Ela apontará para mim pondo o dedo nos lábios  
Sorrindo de um sorriso misterioso  
E se irá num passo leve  
Após o beijo leve e roçagante...  
  
Eu só verei a porta que se vai fechando brandamente...  
  
Ela terá ido, a esposa amiga, a esposa que eu nunca terei.  
  
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A esposa  
in [O caminho para a distância | 1933 |
ed: Schmidt Editora]  
Vinícius de Moraes

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